Venenos podem curar


Livro editado pela UFMG reúne as mais recentes pesquisas que buscam desenvolver tratamentos a partir das peçonhas de animais. Trinta por cento dos trabalhos selecionados são de brasileiros.

Silvia Pacheco /correioweb

Aranhas, escorpiões, cobras, lesmas, vespas. É em animais como esses, que causam temor e asco em muita gente, que pode estar a resposta para a cura de doenças ou o início de novas pesquisas na área de biotecnologia. Por isso, esses bichos são incansavelmente estudados por cientistas do mundo inteiro, que buscam descobrir formas de utilizar as substâncias presentes em seus venenos e organismos. Recentemente publicado pela editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o livro Animal toxins: state of the art (Toxinas animais: estado da arte) reúne as mais recentes pesquisas dessa área, revelando o quanto o homem pode ganhar ao conhecer melhor animais marinhos, artrópodes e serpentes. São trabalhos de mais de 120 cientistas de 20 países.


Segundo a pesquisadora Maria Elena Lima, editora-chefe da publicação, o objetivo da obra é sintetizar o conhecimento nacional e internacional acumulado nos últimos anos sobre toxinas encontradas em animais. “Os produtos animais derivados dessas substâncias biologicamente ativas são focos atuais da ciência na busca por novos medicamentos e aplicações em biotecnologia”, diz a cientista da UFMG.

O livro, de volume único, apresenta pela primeira vez os resultados de vários estudos com diferentes perspectivas sobre as reais possibilidades da utilização de venenos extraídos dos animais na medicina. E chama a atenção o grande volume de trabalhos realizados por brasileiros. De acordo com Maria Elena, cerca de 30% dos estudos são provenientes do Brasil, o que evidencia a excelência do país na área de toxinologia. “Como o país possui cerca de 25% da biodiversidade mundial, sentimos a obrigação de liderar essa iniciativa”, diz.

Entre os vários trabalhos, a cientista destaca estudos que são grandes promessas na formulação de medicamentos (veja quadro). É o caso de uma substância descoberta no veneno da cascavel por pesquisadores do Instituto Butantan que se mostrou um analgésico 600 vezes mais poderoso que a morfina e que não causa dependência química. Sob coordenação de Yara Cury, a pesquisa dá continuidade ao trabalho iniciado por Vital Brazil(1), fundador do instituto e pioneiro no estudo de serpentes no Brasil.

Maria Elena lembra, porém, que todos os estudos descritos no livro estão no âmbito de laboratório, e muitas etapas precisam ser vencidas até essas substâncias chegarem ao mercado. “No veneno do escorpião, há cerca de 180 moléculas, das quais só foram estudadas, aproximadamente, 20. Existem peçonhas que nunca foram estudadas no Brasil. Por isso, a pesquisa deve ser minuciosa, com gente especializada e políticas voltadas para a expansão dessa área”, defende Maria Elena.

Riqueza

Ainda há muito a descobrir sobre a riqueza natural brasileira. Wagner Ferreira dos Santos, pesquisador do Laboratório de Neurobiologia de Peçonhas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, dá um exemplo. No mundo, existem cerca de 40 mil espécies de aranhas. Só o Brasil, por seu tamanho, clima e regiões diversas, possui cerca da metade desse total. “Só não sabemos quantas exatamente”, lamenta o cientista.

Para Santos, a potencialidade de exploração e, consequentemente, de preservação dessa biodiversidade sofre com a falta de um inventário nacional que identifique as espécies. “Seria interessante que os órgãos de fomento à ciência financiassem projetos para criar uma rede de informações sobre as espécies do país”, sugere. Por outro lado, os pesquisadores se deparam com a falta de recursos humanos para trabalhar nesse tipo de inventário e no campo de toxinologia.

A editora Maria Elena vê um crescimento nos investimentos na área. “Isso é importante, porque está relacionado à defesa do nosso material biológico, que é bastante raro e cobiçado”, disse. A ideia é que os pesquisadores decifrem as possibilidades existentes nessas substâncias peçonhentas a fim de tornar o Brasil proprietário delas. “Aqui, diferentemente do que ocorre no exterior, não podemos patentear uma substância natural. Temos que sintetizá-la antes, para depois patenteá-la”, explica Adriano Pimenta, pesquisador e professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

1 - Pioneiro


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Nascido em 1865, Vital Brazil é mundialmente conhecido pela descoberta do soro antiofídico, dos soros específicos contra picadas de aranha, antitetânico e antidiftérico, além de ter desenvolvido o tratamento para picada de escorpião. As descobertas do cientista, morto em 1950, estabeleceram um novo conceito na imunologia, e o seu trabalho sobre a dosagem dos soros antiofídicos gerou tecnologia inédita. O soro antiofídico permanece sem produtos equivalentes e continua salvando a vida de milhares de pessoas que sofrem picadas de serpentes.



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