Há
momentos que eu tenho vontade de sair de minha casa, para fazer coisas fora
dela muito simples, que me proporcionem prazer físico e espiritual. Como andar
pelas ruas da cidade em meio à multidão apressada para chegar ao local habitual
de trabalho, ou condicionada a algum problema que tenha que resolver, para que
a vida seja menos árdua do que presume ser. Para admirar a beleza urbana de uma
praça ajardinada bem cuidada, e eu, vibrando de contentamento, sentar-me num
banco rústico para ficar abstraído, olhando ao acaso para um ponto qualquer,
mas que signifique ser interessante ao bem-estar do meu espírito naqueles
momentos agradáveis de lazer. Ali, tão quieto e reflexivo, o meu olhar
espiritual comanda o meu olhar carnal, deleitando-me e ao mesmo tempo
sensibilizando-me, com as crianças alegres brincando no parque infantil; com a
paciência do pipoqueiro à espera do freguês para vender a pipoca quente da
hora; com os pássaros esvoaçando por entre as árvores frondosas, num alarido
festivo de cantos estridentes; com o encanto do jovem casal de namorados na
troca de abraços, beijos e carícias apaixonantes; com o mendigo que estende a mão
a alguém, para pedir humildemente uma esmola. Há momentos que eu tenho vontade
de deixar o conforto e a comodidade no lar, por algum instante, por algumas
horas, ou por alguns dias, para bater um papo descontraído com um vizinho; para
visitar um amigo ou parente que não vejo por dado tempo; para andar tranquilo
pela orla ribeirinha ou marítima, sentindo a brisa fresca do rio ou do mar;
para viajar a algum lugar, perto ou longe, para conhecer novas pessoas, novos
ambientes urbanos, novos costumes, novos valores culturais; para ir a um
restaurante degustar uma saborosa comida, a um cinema para assistir um bom
filme, ou a uma praia paradisíaca, de preferência com uma companhia bem
agradável, em que haja recíprocas afinidades amorosas. Há momentos sim, de
irresistível vontade de sair de minha casa, para realizar abnegadas tarefas de
genuína satisfação espiritual, como a entrega de sopa fraterna aos mendigos que
dormitam andrajosos sob as marquises nas noites quentes ou invernosas; para visitar
algum asilo, onde vivem crianças ou idosos que foram desprezados por seus
familiares, e nesse ambiente filantrópico desfrutam do amparo, do afeto e do
amor que necessitam para sobreviverem com um mínimo de dignidade; para sentir a
alegria ingênua das crianças em suas atividades diárias numa creche, sendo bem
orientadas e bem cuidadas por pessoas amáveis de almas sensíveis, preparadas
para exercer com paciência, carinho e compreensão, tão nobre ocupação pueril, enquanto
os pais se dedicam diariamente aos seus respectivos ofícios profissionais; para
visitar um ente querido que passou por uma difícil cirurgia, encontrando-se recluso
no leito do lar em resignada convalescença; para auxiliar um amigo ou amiga que
passa por alguma adversidade, precisando de ajuda fraterna, de conforto
espiritual, de uma palavra amiga para alívio de sua dor. Há momentos que eu
tenho boa vontade para sair de minha casa, à realização de ações tão simples,
as quais estão ao meu alcance; que só de pensar em fazê-las, já me causa
bem-estar espiritual, já me proporciona satisfação interior, já me conecta com as
boas e salutares energias das forças espirituais benfeitoras, mediante a
irradiação dos fluidos revigorantes, nutrindo-me dos nobres sentimentos morais.
Não há bem maior do que dedicar-se habitualmente às ações existenciais que
denotem humildade, caridade e amor. Para exercitá-las, basta ter boa vontade na
consciência; basta nutrir-se das boas energias interiores; basta usufruir
espontaneamente da iniciativa altruísta; basta sentir Deus ao ar livre,
direcionando o espírito aos atos simples, que não causem prejuízo moral a si
nem ao próximo, a partir do cultivo, exercício e semeadura da própria reforma
íntima moral; basta amar o próximo, da mesma forma amiga, fraterna e
incondicional que o Mestre Jesus ama a todos nós.
Escritor
Adilson Fontoura
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